sábado, 8 de março de 2014

A invenção da Supermulher*

Nunca foi tão fácil ser mulher no ocidente e consequentemente no Brasil. Afirmo categoricamente isto porque as pesquisas estão aí pra nos provar. Segundo dados brasileiros fornecidos pelo IBGE no documento chamado Síntese dos Indicadores Sociais de 2013, a população brasileira é composta por 51,3% de mulheres que estão casando-se cada vez menos, tendo cada vez menos filhos e estudando e trabalhando formalmente cada vez mais.

O que não quer dizer que ainda não há muito a se fazer. Há sim. E tem sido feito, todos os dias, por corajosas mulheres que dão a cara para bater para que as portas se abram para todas nós passarmos. Enquanto mulheres ocupam cargos nunca antes imaginados, como o da Presidência da República, outras tantas continuam sofrendo violências física e psicológica até dentro de suas próprias casas. E essas mulheres, encorajadas pela rede de suporte e valorização que está sendo desenvolvida pela sociedade e poder público, têm podido se libertar e dizer “não” a situações excludentes e criminosas.

Uma maior liberdade para fazer escolhas e a conseqüente afirmação como trabalhadoras formais (o que as tornam mais independentes financeiramente) tem influenciado diretamente nos novos arranjos familiares que estão sendo experimentados no país. Por isto, atualmente 38% dos lares tem como “pessoa de referência”1 uma mulher, que geralmente é a principal fonte de recursos ou a principal tomadora de decisões do lar. Este número cresceu 10% de 2002 até 2012.

Portanto, a mulher brasileira se equilibra entre as lutas diárias contra o preconceito e as oportunidades de brilhar e de se tornar independente. E esse é o primeiro super poder dela: se equilibrar. As mulheres bateram no peito, queimaram seus sutiãs e foram à luta em busca de igualdade, mas não deixam e não podem deixar de lado os papéis sociais que foram confiados a elas desde sempre. Então o jeito é ir ganhando espaços até onde os braços alcançam e dão conta de segurar.

Outro super poder que deriva desse equilíbrio é a capacidade de realizar multitarefas. A mulher é mãe, dona de casa, funcionária, amiga, esposa, namorada, filha e consegue separar melhor essas relações de modo a ir desempenhando os papéis sem que um interfira totalmente no outro. Dá pra atender ao telefone, dar banho nos filhos, redigir um relatório, cuidar do jantar e lixar as unhas ao mesmo tempo com uma simplicidade enlouquecedora aos olhos dos homens. Dá pra surtar também, mas logo passa. A Supermulher não tem tempo pra se lamentar. Essa capacidade alçou a mulher a uma condição privilegiada no mercado de trabalho e a coloca em vantagem para exercer atividades que necessitam de visão macro e holística do negócio.

Porém, muitas dos percalços ainda são frutos de uma herança machista que ta longe de desaparecer. Ainda em 2012, os homens tinham uma jornada média semanal de 10 horas dedicadas a afazeres domésticos, enquanto as mulheres se dedicavam, no mesmo período, ao dobro do tempo (cerca de 20,8 horas), mesmo trabalhando também fora de casa. Isso tem mudado. Elas têm exigido mudanças e os homens têm respondido a essa demanda. Mas a condição ideal de divisão ainda é para poucas, pouquíssimas delas.

Também tem sempre aquela Kryptonita2 que insiste em provocar certo desânimo como uma pia de pratos que, no instante em que damos as costas, volta a encher na velocidade da luz (o mesmo acontece com o cesto de roupas sujas), tem também uma ou outra porta que se fecha no nosso nariz por uma “simples questão de gênero”, uma febre de filho, uma calça jeans apertando, uma saudade de pequenos prazeres roubados pela rotina, uma conta atrasada, uma dieta que não sai do projeto etc.

E a Supermulher infelizmente tem o “contra poder” de querer ser perfeita, de se sentir culpada, do “e se eu fizesse diferente”. Por que a cobrança sobre elas é ainda maior. A mulher precisa provar várias vezes ao dia o merecimento de cada conquista. Então elas são cobradas em aspectos físicos, sociais, intelectuais, de competência e um sério agravante: de estética. É absurdo os padrões estéticos que são impostos a elas. É importante e urgente ser um símbolo de perfeição. Todas têm de viver impecavelmente lindas, magras e sensuais a todo o momento. E pasmem: a maior cobrança acontece entre as próprias mulheres, por viverem comparando-se a ideais e padrões de beleza surreais. Ai da mulher que hoje não esteja de unhas feitas, cabelos lisos, pernas torneadas e com a tão falada barriga negativa. Tá tudo lá nas revistas, na TV, na internet, como se fosse possível e fácil para todas.

Há também mulheres que viram a mesa e hoje podem dizer que não vão seguir esse padrão e não se casam, não têm filhos, moram sozinhas, pagam suas contas, assumem seus pneuzinhos, sua opção sexual diferente e vão muito bem. Ou mulheres que se dedicam à carreira, que estudam, que batalham e que se permitem mudar de ideia ao longo da vida. Isso porque elas decidem sobre o que fazer com as próprias vidas. Hoje dá pra ter até nome de fruta, dá pra viver do corpo, da beleza... Tudo bem que as queimadoras de sutiã não queriam bem isso, mas todo mundo há de convir que é um passo grande no quesito liberdade. Segue quem quer, gosta quem quer. Há quem prefira a inteligência. Há quem prefira a força.  

E as Super Mulheres, apesar de ainda passarem por dificuldades, seguem suas vidas sem desanimar, afinal a Mulher Maravilha é feliz, acima de tudo. Existem muitas mulheres magníficas que são admiráveis por sua obra e sua história de vida e que poderíamos passar horas nomeando: mulheres comuns, grandes e pequenas empresárias, mulheres famosas, precursoras, formadoras de opinião, “quebradoras” de tabus e anônimas que encontramos ao longo da vida... Elas merecem todo respeito que conquistaram dia a dia com suas posturas autênticas e competentes, fruto de atitudes respeitáveis. Mulheres que abrem espaços por puro mérito, sem levantar bandeiras repetitivas e vazias. Porque como diz a minha mãe: Status não enche a barriga de ninguém, meu bem! Elas vão lá e fazem por merecer. E não há Super Homem no mundo que não sucumba diante do poder que elas representam.

1Termo utilizado pelo IBGE para se referir ao “chefe de família”
2Mineral criado nas histórias do Superman que tem o poder de neutralizar seus super poderes.

Gabriela Andrade
Mulher, mãe, esposa, profissional formal, dona de casa, blogueira e ainda consegue escrever pra revista.
Comunicóloga, habilitada em Relações Públicas pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB
Especialista em Marketing e Branding pela Universidade Salvador – UNIFACS
Analista de Marketing da Comercial São Luis


*Texto Publicado na Revista AUGE - edição 01 de 2014.
http://www.revistaauge.com.br/